quinta-feira, 15 de julho de 2010

Versos do cômodo



Com carinho, bem devagarinho
Aliso-te a face com a navalha
Com amor, cuidado e sensatez
Perfuro-te as bochechas uma só vez

Não se irrite, por favor
Que a raiva é sinônima de dor
Fique calmo, seja amigo
Pois aqui não há inimigo

Com ternura deslizo a lâmina
Por teu pescoço, farejando-te as entranhas
Com lealdade, te afago o peito
Com a ponta do aço, com todo o respeito

Tuas mãos atadas são para te proteger
De qualquer perigo que possa a ocorrer
O mundo lá fora te quer em uma cela
Quer-te condenado devido a uma donzela

Aqui neste cárcere estás protegido
Não há soldados, pois não és bandido
O pano na boca é para que saibas
Que nem sempre é hora de dizer palavras

O aço me pede ansioso de novo
Para alegre correr entremeio a seu corpo
E com destreza e concentração
Te rasgo veloz do ombro até a mão

Não chores amigo, o sangue é vida
E quando goteja me lembra magia
E quando espirra? Que doce cenário!
Me banho contente em rubro Rosário

Te acaricio, te desvendo os olhos
E a lâmina contente, me pede um presente
Não quer mais o inteiro, mas sim uma parte
Destarte prossigo com a veia da arte

Seguindo o desejo da prateada navalha
Que agora me lembra a lua de prata
Inspiro-me à beleza da luz do luar
E sou compelido a amputar-te o anelar

Não se irrite amigo, pois é protegido
Do mundo lá fora, da lei, dos perdidos
Aqui tens carinho, cuidado, atenção
Por toda a vida aqui no porão

Não sintas sozinho, pois logo retorno
Trazendo bandagens, remédios e cloro
Bandagens azuis, laranjas, vermelhas
Com cheiro de bem, saúde e beleza

Cuidar de um amigo tornou-se uma sina
Por todos os dias, por toda a vida
Não temas, meu caro, pois a hemorragia
Tão fácil se estanca com a enfermaria

Não te vás lá fora enquanto me ausento
Pois são inimigos, te querem em um assento
No banco dos réus, a condenação
Aqui tens a mim, aqui tens irmão.

Petardo Chantelle

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